1. Da harmonia e melodia
“Song for Dylan” foi escrita para ser uma música simples. Um dos meus companheiros de banda e amigos costumava reclamar que minhas músicas eram um tanto complicadas e que não o agradavam tanto - me fazia sempre ter a impressão de que minha música era “ruim” -, então escrevi “Song for Dylan” justamente para o agradar e tocarmos na Besouros da Praia. Mas ao mesmo tempo que eu queria lhe agradar, fazer uma música simples, eu não queria me anular, e deixar que a música parecesse não ser minha.
Nunca fui muito fã de Bob Dylan. Quero dizer, ele é um ótimo letrista, e até mesmo compositor no seu estilo e discurso, mas é justamente essa impressão de que a letra é mais importante que a música no Bob Dylan que nunca me agradou - não que seja ruim, mas não é isso que eu consumo em se tratando de música. Então, quis fazer nessa música uma espécie de diálogo entre eu e Bob Dylan.
Na parte “A” da música (de “I want to go to a higher place...” até “‘cause you know just where they are”) eu compus como se fosse Bob Dylan falando. A harmonia é super simples;
G Am7 G
I want to go to a higher place
G Am7 G
But sometimes is better just to stay
C G
Here comes the rain again
C G
You can’t see the stars
C G
But it doesn’t really matters
A7 D7sus4 D7
‘Cause you know just where they are
E a melodia é toda trabalhada pra sempre cair nas tônicas dos acordes. Nada demais, nada que desafie ouvidos. O que eu procurei fazer pra tornar um pouco mais interessante foi fazer as primeiras frases (“I want to go to a higher place/But sometimes is better just to stay”) em compassos de 6/4, intercalados por compassos de 4/4, mas ainda assim, nada que minha banda havia reparado até eu dizer que era assim.
A parte B (“Here comes the rain again”) serve pra firmar ainda mais a tonalidade de G, a melodia explora melhor as notas da escala e o A7#, seguido do D7sus4 e D7 é uma espécide de CODA para provocar os ouvidos a procurarem as resoluções em G.
Após isso se repetem o A, com outra letra e o B:
Just two things seems too much little
But there’s people still afraid of beetles
Após a reexposição dos temas eu apresento um material novo, mais complexo, denso, o que eu diria para o Bob Dylan.
Bm Em Gm F#7
I know, I know...
Bm Em Gm F#7
It seems there’s nowhere else to go
Bm Em
But I don’t care
Gm A7 D7sus4 D7
I just wanna get the hell outta here
Em uma forma sonata normalmente se apresenta o primeiro tema na Tônica, e o segundo na Dominante, meu raciocínio nessa canção foi parecida. Nessa parte C eu quis desenvolver um novo tema em D e para isso comecei a nova sessão em Bm# (relativa menor) e usei o Gm (IVm, clichê de música pop), mas para não ficar óbvio que eu fui para D, eu uso a dominante de Bm e não vou para D de verdade, só uso a dominante de D pra voltar pra G, naquele mesmo raciocínio das partes anteriores de usar o V7 do V7 para valorizar a tonalidade, de forma a reapresentar os materiais antigos, e convidar o ouvinte a querer ouvir as partes A e B de novo. A melodia na parte C também é levemente mais complicada e a duas vozes, mas nada realmente de tão interessante que precise ser explicado.
Quando eu apresento A e B de novo uso as ideias rítmica e dinâmica da introdução na A, e o B para uma sessão de improviso de guitarra, para agradar os familiares com a forma canção no rock n’ roll. Depois do improviso apresento o C novamente, dessa vez extendido e finalizo a música.
2. Da letra e Conclusão
I want to go to a higher place
But sometimes is better just to stay
Here comes the rain again
You can’t see the stars
But it doesn’t really matters
‘Cause you know just where they are
Just two things seems too much little
But there’s people still afraid of beetles
I know, I know...
It seems there’s nowhere else to go
But I don’t care I just wanna get the hel outta here
You know, you know
I can’t seem to be full
But baloons pop when you less expect
A letra dessa canção fala sobre compor e de como eu quero ir além na música, eu quero explorar e não mais ficar nesse óbvio tão agradável, mas que o óbvio é agradável isso ele é.
“I want to go to go to a higher place/But sometimes is better just to stay” fala isso: eu quero fazer mais da música! Muito mais, mas às vezes é bom ficar nesse óbvio, nessa tonalidade, nessa melodia simples, nesse agradável.
Então eu falo que alguma coisa aparentemente ruim (a chuva) vem e tapam as coisas boas (estrelas), mas que isso não deveria importar, porque nós sabemos que ali ainda está aquela coisa boa. Falo sobre como deveríamos brincar de desconstruir os clichês, porque os clichês ainda vão fazer parte daquilo que desconstruimos. O que quero dizer com isso é que eu não vou começar a compor música serial, eletroacústica aleatória, mas que eu quero desenvolver a música pop, assim como os Beatles fizeram!
E é isso que eu falo no segundo A: que duas coisinhas (só dois acordes, duas notas na melodia, nesse caso) me parece pouca coisa, e que ainda, 50 anos depois, nós ainda nos surpreendemos (nos assustamos) com os Beatles, com os absurdos que eles desenvolveram. Minha crítica vai ao ponto de que nos surpreende ainda não so por causa da qualidade do trabalho, mas por nossa covardia de não querer sair do lugar hoje em dia. O rock brasileiro é pobre demais de desenvolvimento conceitual e intelectual, de imediato consigo falar de apenas duas bandas que fizeram um trabalho aqui que eu consigo fazer uma comparação com o que se fazia no exterior e que desenvolveu tão bem o seu trabalho quanto outras bandas internacionais o faziam na mesma época: Mutantes e Titãs.
Em “I know, I know...” é como se eu estivesse me desculpando, me esquivando. Eu sei que parece que não tem mais pra onde ir, mas eu não quero ficar aqui! Nessa obveidade, nesse agradável. Acredito que a música é capaz de nos provocar infinitas sensações, mas somos preguiçosos e as consumimos por um único filtro dualista: gosto/não gosto; ou bom/ruim para os julgadores. Mas eu não preciso ir muito longe pra dizer que a música também pode causar alegria, vontade de dançar, nostalgia, tristeza, vontade de deitar, refletir sobre a vida, vontade de rir, gargalhar; o que eu proponho, e nem é mais uma proposta tão contemporânea, a sensação de estranhamento, como quem vê um filme de terror, não se gosta de um filme de terror por ele ser agradável, não é mesmo. O que quero dizer é que não se pode escutar Björk com o mesmo ouvido que se escuta Skank; Mutantes com o mesmo ouvido que se escuta Hermits & Hermits; Stockhausen com o mesmo ouvido que se escuta Philipm Glass; e assim por diante. Devemos filtrar - ou melhor, nos livrarmos dos filtros - de acordo com cada proposta da experiência, como andar de skate e de rollerblade vão ser diferente entre si, apesar de pertencerem a mesma grande área dos esportes radicais#.
Considero importante que uma música, ou ao menos um artista, que tenha o que dizer, que quando perguntado “como você compõe?” ele não responda somente “Bem, eu pego o violão, aí encadeio acordes que acho que podem ficar bonitos e vou cantando alguma coisa por cima, e depois (ou antes) faço uma letra que faça a música ficar ainda mais bonita.” Não que não deva existir isso, mas acho pobre, eu mesmo compunha assim quando tinha 13, 14 anos, e acho que continuar compondo assim depois de anos é falta de maturidade, preguiça intelectual. Não que não seja justificável, música de fato é uma coisa tão agradável que nos faz querer simplesmente explorar o que agrada, mas não podemos esquecer que ela é também, ou acima de tudo, um objeto artístico, um campo de pesquisa, um objeto intelectual e acadêmico. Não é de se surpreender que a música pop no Brasil seja um assunto tão mal-explorado na academia, porque de fato ela carece de discurso, de diferencial. Por que vamos falar de Legião Urbana se haviam os Smiths e The Cure? Claro que são diferentes, mas exploram ideias parecidas, e, me arrisco a dizer, foram mais além do que a banda brasileira. Vão me dizer que a importância de se falar de Legião Urbana está na letra,ou talvez porque, como somos brasileiros, devemos dar importância ao que é daqui, mas eu discordo, e mais que brasileiro - coisa que não tenho nem escolha - sou músico, e dou importância ao que me parece ser mais importante para a música, e não para alimentar uma noção patriota e bairrista. Legião Urbana fez coisas incríveis, e prefiro à Smiths, mas acredito que a importância histórica de Legião Urbana para a história da música ao todo não é tão sigfnificante quanto a dos Smiths.
Por fim, digo que esta não é, de longe, minha música que mais gosto, mas ela tem um discurso que acho fácil de explicitar, e com ela eu gostaria de demonstrar como uma canção pode ir um pouco além de sua proposta primeira por simplesmente arriscar harmônica, ou rítmicamente, ou em qualquer outra propriedade da música, é claro. Minha proposta para os meus aliados da música, é que desenvolvamos uma arte musical no Brasil hoje, na música pop, mais complexa e interessante. Meu desejo é de desenvolver um material referência para os futuros compositores da música pop, assim como foram Buddy Holly, Beatles, Beach Boys, Jimmy Hendrix, Ramones, Queen, Michael Jackson, Nirvana, Strokes, por ordem cronológica. Não digo que esses foram os melhores, nem os mais importantes de suas épocas, mas foram dos que eu, e isso é opinião mesmo, sem fundamento criterioso, considero mais influentes hoje de suas épocas.