Ontem teve show da Besouros da Praia com a Caju Amigo no Absoluto Chopp Bar. O Absoluto é um bar bem no Centro de Floripa conhecido pelos seus happy hours ao som de pagode, sertanejo, e outros estilos que agora estão no gosto popular - quando convidávamos nossos amigos e colegas no boca-a-boca nos perguntavam: "não é aquele bar que toca pagode?" E eu respondia: "Sim. Nós estamos mudando a banda, te prepara pra escutar 'Helter Skelter' versão pagode."
Eu tava muito animado por esse show, porque era a estreia definitiva da nova fase dos Besouros da Praia. Eu sei que eu não falo por todos da banda quando digo que essa nova fase da banda significa um amadurecimento, evolução, uma melhora no discurso da banda mesmo. Colocamos no nosso repertório músicas de compositores brasileiros, como "Nada será como antes" de Milton Nascimento, "El Justiciero" d'Os Mutantes e "Mestre Jonas" dos geniais Sá, Rodrix e Guarabyra, não sei bem qual é a razão dos meus aliados de banda quando tocam essas músicas, mas pra mim significa contextualização, cantar músicas que dizem respeito a pessoas daqui, brasileiras, não por bairrismo, mas por estudo e pra fazer sentido mesmo. Quando eu vejo fotos de bandas brasileiras obviamente influenciadas por Beatles vestidas de paletó, cachecol, costeleta e guitarras de milhares de reais me faz questionar a quem eles estão comunicando, que domínio eles têm sobre o que eles estão discursando, qual é o sentido de tocar, falando da minha própria banda, "Surfin' USA" aqui no Brasil, em Florianópolis? O mais irônico é que aqui mesmo em Floripa há tantas praias que talvez sejam mais bonitas que as estadunidenses para se falar a respeito, mas mesmo assim tocamos e falamos o que Brian Wilson falou sobre as praias do país dele. A impressão que me dá é que tocamos essas músicas, hoje, a mero título de entretenimento - quando começamos a tocar Beach Boys, e falo por mim, era muito pra estudar encaminhamento de vozes, harmonia vocal, pra aprender a cantar em grupo -, mas acredito que os Besouros estão em um nível - convenhamos que eu e o André Amaral fundamos a banda, com o Juliano Maliverne da Stereotipos e o Otávio ainda em 2003, a banda tem quase 10 anos já - que podemos desejar superar o mero entretenimento, temos chão, estudo e maturidade para nos arriscarmos falar nossas próprias palavras, propor novas formas de se fazer música - ainda dentro do que fazemos.
Aliás, eu tenho a impressão de que a banda Besouros da Praia sempre teve um desejo de não ser óbvia, sempre quisemos ter um diferencial. A própria escolha do nosso repertório no começo da banda, o fato de nunca termos sido uma banda tributo aos Beatles - tem tantas por aí! -, de termos tido a audácia de tocar Beach Boys também já demonstra um esforço pra discursarmos algo a mais. As primeiras músicas que tiramos dos Beatles lembro de terem sido "Devil in her heart", o medley do lado B do Abbey Road ("Mean mr. Mustard" / "Plolythene Pan" / "She came in through the bathroom window" ), e era isso que eu sempre amei na banda - não fazíamos apenas pra agradar meninas carentes, fazíamos por nós e pela boa música.
As primeiras 4 músicas do nosso show de ontem foram cover de Beatles e Beach Boys ("Hold me tight", "Surfin' USA", "Can't buy me love" e "Help"). Temos nossos motivos de começar por essas músicas, cada canção é cantada por um integrante diferente e também, claro, pra levantar o show, fazer uma introdução cativante. A seguinte foi a lindíssima composição do André Amaral e do nosso amado Matheus Massa, que está em Cuba estudando, "Se fosse sempre madrugada". Essa é uma música que, apesar de própria, discursa ainda em consonância com essas composições das décadas de 60 e 70, sempre falei pros meus amigos que ela me lembrava o rock rural dos anos 80 daqui de Santa Catarina, como Expresso Rural. Então o pessoal que escuta essa música durante o show, imagino eu, estranha por não conhecer, mas compadece por compreender, e acaba gostando.
Depois tocamos "Come together" dos Beatles, e em seguida "Mestre Jonas". Conheci a música "Mestre Jonas" com o ator, cantor e amigo de família Ricardo Graça-Melo ainda adolescente e me encantei de imediato. Hoje eu reparo que adorei a audácia dos compositores de fazerem o texto bíblico de Jonas parecer um texto psicodélico de uma banda de rock. A sensação que me causou cantar essa música ontem foi de domínio. Me senti falando sobre alguma coisa que me pertencia, como se fosse quase minha, como se eu pensasse "Ah, essa sim eu sei cantar." Eu sempre tive essa impressão cantando nossas próprias músicas, porque, é claro, são nossas, mas notei com "Mestre Jonas" que não é bem só isso, é uma questão de dizer respeito a mim. Eu reparava em um público que estranhava a música desconhecida, mas eu os convencia de que aquilo era válido, e na minha convicção eles iam entendendo. O que quero dizer que é diferente de tocar uma música como "Twist and shout", que de imediato o público escuta, lembra, entende, sabe o que vem por vir, e dança, porque não há muito mais o que se fazer - como público leigo em uma festa qualquer - a respeito de "Twist and shout".
A próxima foi "If I fell", e meu motivo pra manter essa música no repertório é o arranjo lindo a duas vozes de Lennon e McCartney, e quando cantamos bem essa música sinto respeitando, e apoiando a boa música e a boa execução.
Então chegou um dos momentos que considerava mais críticos do nosso repertório - "Nada será como antes". Apesar de desconhecida, "Mestre Jonas" é uma música pra cima, dançante, "Nada será como antes" é mais intimista, séria e também desconhecida do nosso público padrão. No entanto, felizmente, minhas expectativas foram completamente frustradas. Dois dos integrantes da banda parceira a nossa da noite se animaram demais quando nos ouviram começar a cantar a música, e isso, claro, animou muita gente ao redor deles. Cantando Milton Nascimento eu me sinto uma pessoa um pouco mais estudada, como se tivesse um diferencial na nossa banda por ter dois integrantes graduandos em Música.
Logo depois de tocar essa lindíssima canção que fecha o disco Clube da Esquina tocamos a psicodélica "Coleção de cubos verde-mar" do André Amaral. Considero essa nossa música mais polêmica - é o arranjo mais distante dos anos 60 do nosso repertório, com guitarras distorcidas à la grunge anos 90, refrão que mistura Gorillaz e rock rural, e letra que parece não fazer sentido nenhum. Conheço gente que tem essa como música favorita, mas também já ouvi quem diga que ela "não tem nada a ver". Eu, particularmente, adoro a música.
Mais duas músicas pra animar o público - "I get around" dos Beach Boys" e "Paperback writter" dos Beatles (com o nosso final "paperback batman!") - e mais uma audácia pro nosso padrão, "El Justiciero". Tocar essa música d'Os Mutantes não é coisa fácil pr'a gente, porque tem a parte falada e com tempo mais livre, o que torna difícil a execução precisa, e o ritmo da parte mais andanda é uma espécie de um tango, ou outro ritmo latino que nós não estamos acostumados a tocar. Tudo isso torna a execução da peça bastante desafiadora, e por conseguinte faz o nosso público estranhar a escolha de repertório, faz parecer "nada a ver", pra quem talvez não conheça Os Mutantes, ou que não perceba a proximidade com o nosso repertório antigo.
Depois de "El Justiciero" nos foi avisado que só poderíamos tocar mais 3 músicas, acabamos escolhendo "Somethin" e "Happiness is a warm gun" dos Beatles, e "Jodie", composição nossa. A escolha dessas músicas foi feita muito às pressas, mas tem seu motivo - "Something" pelo fato de ser uma música que tiramos há pouco tempo, bonita, que agrada bastante o público; "Happiness is a warm gun" também por ser nova no nosso repertório, mas por ser ainda uma música difícil e de caráter diferente das outras que tocamos dos Beatles; e "Jodie" por ser nossa nova música hit, agitada, mas principalmente por ser nossa, e é uma música que funciona ao vivo desde o riff de guitarra, até o refrão, o "C" e a letra da música toda. Foi composta pelo André Amaral e pelo Bernardo Flesch, por tudo isso que a deixamos para o final
Infelizmente, acabamos não tocando a minha música "Song for Dylan" e nem nosso outro hit "O que for" do Bernardo, mas foi por uma questão de tempo.
No nosso próximo show vou insistir para darmos prioridade às nossas músicas sobre as covers, porque, para mim, já não faz mais muito sentido tocar essas músicas dos Beatles e dos Beach Boys. Não dizem muito respeito a nós, nem a nossa realidade, e não condizem com meu desejo de produzir um meio musical artístico original aqui em Floripa - no Brasil - forte. Sei bem que ao mudarmos nossa proposta o público vai mudar, diminuir, talvez, mas também se intensificar em potência. Acredito que ao mostrarmos nosso diferencial no discurso muitas pessoas vão passar a não só gostar d'a gente, mas respeitar e admirar. Sinto que quem nos admira por tocar Beatles admira, na realidade, os Beatles. Nós somos apenas o "fonógrafo", a junkbox, praticamente nos negamos como sujeitos com discurso próprio e usamos as palavras dos outros para convencer. E não só usar as palavras de outros, mas usar clichês, como se nossa pesquisa, nosso referencial, fosse imediato, superficial e óbvio. Desejo muito complexificar nosso repertório ao ponto de nem mesmo nós sabermos mais de onde tiramos nossas ideias, para termos a impressão de que essas ideias são realmente nossa.
No entanto, sei bem que nossa dinâmica de repertório desse show foi boa - no sentido de altos e baixos, de uma onda precisa e constante com momentos fortes, outros facos; familiares e estranhos. Harmonizamos ao ponto de, se causamos algum estranhamento, acolhemos logo com um lugar seguro. Mas, e isso é uma vontade minha e só minha, acho bom provocar estranhamento maior, porque acredito que temos os ouvidos mimados, e gostamos de termos nossas previsões atendidas, no entanto já é antigo o desejo da arte de frustrar expectativas, e eu tenho a impressão de que poucas bandas boas tem culhão para o fazer. Não quero mais que nosso público tenha opiniões claras e óbvias como "gosto/não gosto", "bom/ruim", espero, com muito carinho, provocar opiniões, que nos adjetivem com argumentos mais complexos e maduros.
Besouros da Praia
Caju Amigo
muito boa lui, o show de vocês foi fantástico. "nada será como antes" foi uma surpresa linda, e "el justiciero" me deixou com vontade de nem subir no palco, de deixar vocês ali tocando o resto da noite.
ResponderExcluirDesejo tudo de melhor na nova fase da besouros, conheço desde 2005, quando o massa nem era vocalista ainda, e falava sobre a banda, e bom, o resto da minha história com vocês tu já sabe. Sempre gostei, respeitei e principalmente admirei todo o trabalho da besouros e o teu também!
beijão
É verdade que um dos guitarristas da Caju vai poder dar uma canjinha no show de estréia do Diego? hahaha. Temos que fazer mais desses, hein :)
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